quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Por William Freitas...

"Loucamente apaixonado
O sangue que verte
É quente, ferve, esquenta
...
Loucamente apaixonado
O quente que ferve
É sangue, não lamenta
...
Loucamente ensanguentado
Paixâo quente que verte sangue
Calor selado se arrebenta...
...
Ferve água benta."

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

ENSAIO SOBRE UM CORPO DA MÍDIA: BELEZA E PODER‏...

Por Arthur Marques de Almeida Neto

Quero trazer a idéia de que as relações de poder permeiam também a preocupação e busca incessante atual pelamanutenção da juventude e beleza. Manobras neo-liberalistas não são exclusividade de ações políticas partidárias, mas estão presentes em nosso cotidiano e emaranhadas na mídia e na cultura. Noam Chomski, em "Razões de Estado", fala da manipulação da mídia como manobra dos governos democráticos ou imperialistas. Quero ampliar a discussão para esferas um pouco mais sutis – a esfera da imagem pessoal, da subjetividade: o corpo. A imagem do corpo difundida pela mídia circunscrita no meio capitalista é a de um corpo jovem, sadio e belo. Mas, perguntemos: o que é belo? O que é saudável? Quero dizer que esses conceitos, mais do que possamos responder à primeira instância, são conceitos altamente maquiados por uma relação de estética e poder. Além de tecer essas considerações, quero complicar as questões, de modo a enriquecê-las, argumentando que a arte contemporânea, em especial no universo da dança contemporânea, é o único meio de fuga desse lugar onde o corpo está aprisionado a uma estética fake, de corpos mutantes promovidos à custa de tratamentos estéticos possantes, de revoluções químicas de medicamentos divinos – anabolizantes ou repositórios hormonais, epopéias ritualísticas travadas incessantemente pelos devotos do corpo ideal em novos templos sagrados como as academias, clínicas de cirurgias plásticas e spas...

A dança contemporânea discute o corpo na pós-modernidade, o corpo ideal para a vida, redefine e reinventa a realidade, numa prece utópica por mudança de configuração de uma realidade atual que busca atrasar os relógios e remodelar a carapaça muscular e dermatológica humana, acarretando também numa mudança de percepção de mundo e do olhar para a subjetividade. Da mesma forma, a dança contemporânea traduz, entre outras facetas, um desejo de desconstruir e desmantelar as estratégias de venda do corpo midiático, prostituído pelo desejo de poder: o poder de ser o que se deseja – seja esse “desejar” uma vontade pessoal – a “tesoura do desejo – desejo mesmo de mudar” - ou um desejo conectado com a sociedade corrompida pelo consumo, pela moda e pelo design, invenções estratégicas de um capitalismo que afeta o corpo, transformando e padronizando uma forma única de estar e captar o mundo: o “traje sagrado” – como escreve Martha Graham - com que entramos na vida e que “vestimos” até o fim dos nossos dias, se assim se pressupõe corpo X mente como instâncias separadas, ou se existe ainda uma fé no espírito.

A tecnologia não faz do corpo objeto obsoleto. O corpo é transformado, evolui. O pós-humano não é ironia de um mundo dominado pelo futuro cibernético: é ilusão de não perceber que a subjetividade coexiste mesmo num corpo “turbinado”, “eficiente”. Não defendo a loucura contemporânea da mudança com fins absolutamente estéticos. Entretanto, acredito que a própria busca do sujeito por uma estética vendida como “ideal” pelos meios midiáticos é também uma estratégia de permanência sistêmica.Encontrar o parceiro na batalha da night é uma forte razão para muito desses corpos dopados de química ou de próteses. Balançam freneticamente e desfilam ao som do “bate-estaca” das raves todas as coleções de bonecos e bonecas já inventadas (Barbies, Susies, Kens, Falcons... E fazem, com sua beleza estonteante, se esconderem, no fundo do mar, os surreais horrorosos e indesejáveis Bob Esponjas: os caretas, quadrados, fracos e sujeitos a deformidades).

Sexualmente movidos, sentem-se seguros e confiantes em seu poder de sedução e se auto-afirmam exibindo seus músculos esculpidos por horas a fio ou comprados, sem pudores, em pouca roupa – e marcas caras – e com muito suor e desespero por companhia. Quantidade é valor maior que qualidade. Na verdade, eles tornam-se uma versão remixed and revisited da solidão moderna do flaneur de Baudelaire. Corpos não-identificados sob a escuridão da noite. Ou melhor, da boite. E a busca é por iguais, compatíveis.Peitos siliconados, bocas enxertadas de colágeno, rugas com fios de ouro e expressões congeladas de botox não é mais exclusividade do gênero feminino. Os machos metrossexuais, emos e/ou travestis também compram a beleza disponível nas “feiras”: as prateleiras das farmácias e os tabuleiros de bisturis das mesas cirúrgicas. O “Admirável Mundo Novo” está em cada esquina.

Os salões de cabeleireiros são fábricas de louras (Men prefer blondes?) e cabelos enchapados, com corpos rígidos para não desfazer o truque cosmético do fio liso. Para a mídia, não adianta apenas usar creme dental: preciso ter um corpo escultural para portar um sorriso branco e saudável. Não adianta só tomar cerveja: tenho que ter uma namorada loura e gostosa para acompanhar. Pouco importa se ela é tão gelada quanto a cerveja...

Enquanto isso, na madrugada, alguém é espancado até a morte. Os gays imitam os héteros ou vice-versa? Como identificá-los? Hoje, todos são pitbulls tatuados que saem aos bandos sem suas guias, mas exibem - orgulhosos - suas coleiras estranguladoras. Quanto maior for sua corrente, maior sua virilidade e seu poder. Não importa com quem estou em quatro paredes. Ou se estou de quatro.

A arte da dança contemporânea não privilegia determinada estética ou forma. Privilegia a reflexão e questionamento sobre seus conteúdos. Sobre o corpo, não determina quem pode ou deve dançar, apenas aprofunda o olhar para o que o corpo provoca. Qualquer corpo: o da moda, da mídia, o “top”, o popular, o comum.

Sejam bem vindos à dança da democracia do corpo: sereias - podem vir sem pernas; Netunos - tragam seus tridentes; pérolas negras - saiam das ostras. Bob Esponjas. Emergem todos: deficientes, pobres ou diferentes. O belo, na dança contemporânea, é o corpo individual, único. O que está inteiro de seu potencial. O corpo que se assume, e que destrói, assim, qualquer tentativa de manipulação, de qualquer natureza.

[...] a ginástica. os exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do corpo... tudo isso conduz ao desejo de seu próprio corpo através de um trabalho insistente, obstinado, meticuloso, que o poder exerceu sobre o corpo das crianças, dos soldados, sobre o corpo sadio. Mas, a partir do momento em que o poder produziu este efeito, como consequência direta de suas conquistas, emerge inevitavelmente a reinvidicação de seu próprio corpo contra o poder, a saúde contra a economia, o prazer contra as normas morais da sexualidade, do casamento, do pudor. (Michel Foucault, em "Microfísica do Poder").

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

A geração que não vinha...

Trabalho de novos coreógrafos começa a ganhar espaço
Por Airton Tomazzoni

Acompanho a produção de dança contemporânea do Rio Grande do Sul de maneira mais efetiva desde final dos anos 80, quando comecei a estudar teatro. Naquela época, comecei a me fascinar por criadores como Carlota Albuquerque (Terpsí), Guelho Menezes (Balleto), Dagmar Dornelles, e logo mais por Andréa Druck, Ivan Motta, Eva Schul, Jussara Miranda. Passados quase 20 anos dessa história, alguns não mais atuam no cenário da dança e, que bom, outros prosseguiram ativos. Acredito num contexto cultural nutrido pelo fluxo artístico que se dá entre tradições e rupturas, e, por isso, ao reconhecer que uma certa tradição em dança sedimentada, eu vinha tendo dificuldade de ver uma nova geração mostrar a sua cara, em pleno século XXI.

Sim, na década de 90 apareceram, assim como eu, outros coreógrafos e coreógrafas se aventurando neste cenário. Eduardo Severino, Tatiana da Rosa, Cibele Sastre, Luciana Paludo, Heloísa Bertolli, Luciane Coccaro, todos que transitaram como bailarinos e alunos naquela época da qual comecei falando. Uma espécie de geração de transição que, nutrida em escolas, grupos e companhias tradicionais do Estado, procurava (errando ou acertando), novas linguagens, novos modos de operar, enfim, artistas que se permitiram arriscar - tarefa difícil para o que já se estabeleceu e indispensável para que a arte possa desfrutar de outras condições de possibilidade. Mas essa “transição”, no meu ponto de vista, já estava ficando um pouco prolongada demais e eu sentia necessidade de algo que pudesse mostrar a reverberação de todo esse contexto, seja no seu prolongamento, no seu desdobramento, na sua negação, na sua re-elaboração.

Então, é com muita satisfação que de 2007 pra cá começo a perceber a movimentação de jovens criadores que começam a mostrar a sua casa. Em comum talvez só tenham o fato de terem vinte e pouco anos e se autorizarem a investir na criação em dança aqui por estes pagos. Nos seus trabalhos eles e elas trazem propostas estéticas diferenciadas, perspectivas muito particulares e conexões singulares.

Inicio de largada falando de três criadoras, o que já é um diferencial do trabalho A3 (foto1). Uma produção colaborativa de Juliana Vicari, Thaís Alves e Carol Laner, intérpretes e coreógrafas. As três são graduadas no curso de Graduação em Dança da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Fundarte/UERGS), com consistentes, criativas e sensíveis pesquisas na área de criação. A montagem foi apresentada na Sala Álvaro Moreyra, em apenas três noites de junho, e conseguiu um resultado muito além da justaposição dos trabalhos acadêmicos de cada uma, em cena. O trio potencializou as questões presentes no trabalho de cada uma: a improvisação, as propostas de tarefas, o estado de presença cênica, o jogo, as muitas percepções destes corpos. O resultado é inteligente, cheio de uma dignidade (e sei que esta palavra pode estar meio esquecida, mas faz toda diferença no nosso mundo de hoje), traduzindo intérpretes que, na sua jovialidade, revelam-se maduras, honestas e totalmente “donas” da proposta. Tão “donas” que as explícitas referências à estética (e ética) do pessoal da Judson Church, encontram uma expressão muito pessoal, com uma assinatura muito delas. São corpos dispostos a arriscar, mas com a segurança e domínio para isto, como traduz a deliciosa cena em que com um colchão no meio do palco elas literalmente deitam e rolam.

Vindo de uma investida universitária em dança interrompida precocemente no curso de Graduação de Dança da ULBRA, Gustavo Silva, da New School Dreams, tem sua formação e produção constituída no universo da dança de rua. Contudo, La chronic, sua obra, apresentada no Dança de Domingo, no Teatro de Câmara, em maio, mostrou um criador disposto a atravessar e borrar fronteiras, ainda que este não tenha sido o seu objetivo. Com coreografias que fazem do vocabulário da dança de rua um trampolim para explorar as possibilidades dos corpos se moverem no espaço, ele constrói uma densa e ao mesmo tempo bem-humorada obra. La chronic investiga o cotidiano traduzido na dança do universo das crônicas. O espetáculo coloca em cena o dia-a-dia e suas reviravoltas em vibrantes coreografias com grande apuro técnico, pontuadas com poéticos fragmentos. De lambuja, a obra ainda revela talentos precoces, como o dos bailarinos Cauan Rossoni e Josyane Ramos, entre outros.


Em Bondage (foto2), as imagens são inquietantes. Mulheres seminuas, amarradas, amordaçadas em um território de sensualidade e opressão. É neste universo que mergulha o coreógrafo Douglas Jung, no trabalho que integrou o projeto Incubadora de novos coreógrafos, do Grupo Gaia, apresentado em julho, na Sala Álvaro Moreyra. Douglas já havia acenado com um trabalho irreverente na Mostra de Dança Verão, onde, ao som de Diariamente, na voz de Marisa Monte, despencavam em cena de tudo um pouco, de botinas de borracha até uma melancia que se espatifava no palco. Em Bondage, o jovem coreógrafo faz um exercício mais apurado visualmente e mostra-se hábil em conduzir as intérpretes por caminhos tortuosos no limite da dor e do prazer. Além de Douglas, a Incubadora apresentou ainda os trabalhos Sobre vomitar coelhinhos, de Maria Albers e Luiza Moares - dispostas a arriscar - e Não se Pode Amar, Gozar e Ser Feliz ao Mesmo Tempo, de Fabiane Vanoni.

Mas não só na capital esta nova geração vem se revelando. Em Montenegro, a Troupe Xipô colocou em cena o espetáculo Por Você, com pesquisa e criação de Suzana Schoellkopf (atriz e bailarina atuante que finalmente se arrisca como criadora) e Márcio Barreto. Os dois levam para os palcos o resultado dos seus trabalhos de conclusão do curso de Licenciatura em Dança da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). Por Você faz a opção por trabalhar com a mistura de linguagens: dança, teatro, circo e música ao vivo. O humor e o lirismo marcam a montagem e resulta num espetáculo vibrante e envolvente.


Em Canoas, Eduardo Menezes firmou um trabalho coreográfico original e potente com o grupo Art&Dança. Suas inúmeras e bem acabadas coreografias o fizeram conquistar o prêmio de melhor coreógrafo no Festival de Joinville em 2007, levando-o a Lyon e também a atuar em São Paulo. No mesmo circuito, Matheus Brusa, de Caxias do Sul, revelou uma pequena obra-prima, Electões, também destacada do Festival de Joinville, e, neste ano, estreou Bipolar, vencedor do prêmio Klaus Vianna, da Funarte.

Estes jovens criadores esboçam um novo panorama, com propostas singulares, revelando a capacidade de processar, reelaborar, desafiar e desdobrar as informações e provocações que foram sendo alimentadas nos últimos anos. Comemora-se por um lado, lastima-se por outro. Por um lado tem-se um contexto para a dança que começa a se ampliar, com os cursos de graduação, os concursos para a rede pública de ensino, com projetos como do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre, com o Centro Coreográfico do Terpsí, com os Desdobramentos do ProjetoMax, com o pessoal da sala 209 da Usina do Gasômetro. Contudo, por outro lado, ainda não se tem nenhuma companhia mantida por patrocínio privado, o Prêmio de Incentivo às Artes Cênicas do Estado não é entregue há mais de 6 anos, e se conta com uma equivocada Lei de Incentivo Estadual, que, para completar, produtores fraudulentos deixaram possíveis patrocinadores com um pé atrás.

A geração que não vinha está chegando e talvez logo já vá (Eduardo Menezes está em São Paulo, Carol Laner, no Rio, e Douglas Jung, na Alemanha, mas ainda com fortes conexões de seus trabalhos por aqui), caso as perspectivas para a dança no Estado não se sedimentem, ampliem e possam apontar para um horizonte profissional possível e estável. Sejam bem-vindos e vida longa a esta corajosa, destemida e talentosa moçada!