terça-feira, 23 de setembro de 2008

A banalização da indiferença

Envelhecer. Dormir. Cuidar da casa. Educar os filhos. Namorar. Engordar. Fazer regimes. Acordar cedo. Trabalhar. Tirar férias. Regressar das férias. Tudo passou a ser problema. As atividades cotidianas tornaram-se um problema. Não há mais tempo disponível, pois ainda não descobriram como fazer o dia ter quarenta e oito horas. Não há mais paciência, disponibilidade, solidariedade a si mesmo perante a rotina. Sobra estresse no final do dia, sobra irritação. O ser humano passa a querer ficar só e, ao mesmo tempo, passa a não suportar a si próprio.
Robôs de um sistema capitalista, as pessoas apenas executam. Passam suas vinte e quatro horas em uma rotina incansável, sem perceber e/ou questionar para onde estão indo e muito menos onde querem chegar. Os valores e bons costumes se perderam com a desculturalização causada pelos efeitos da globalização, fazendo com que encontremos hoje, um grande conformismo social, baseado no paradoxo do “isolamento da psique humana versus a massificação do consumo”.
Quanto mais os professores se esforçam para fazer com que seus alunos leiam, mais estes deixam os livros de lado. Quanto mais os políticos se exibem e se explicam nas variadas mídias, mais o eleitor mostra-se despreocupado. Quanto mais informativos os sindicatos distribuem, menos lidos são. As situações tornaram-se tão massivas que passaram a ser repulsivas. É onde encontramos a indiferença. Uma profunda indiferença por saturação, excesso de informação fútil e de isolamento que toma conta do homem.[...]
[...]As pessoas não mais se impressionam. Tudo lhes parece perfeitamente natural, sem maior e/ou melhor impressão e reflexão. Nos noticiários, passa-se com naturalidade da política às variedades. Assuntos como a violência, os assaltos, assassinatos, ataques terroristas, seqüestros, massacres, tornou-se banal, cotidiano. A relevância e o tempo dado a cada notícia é determinado pela capacidade de entretenimento que esta tem. Nada mais lhes interessam além de estimulações e opções semelhantes em grupos.
Pensar em algo que ainda seja capaz de nos espantar ou escandalizar é tarefa difícil. A apatia que toma conta progressivamente do ser humano pode ser correspondida à velocidade da informação. Esta uma vez registrada é esquecida, deletada, varrida da cena por outra que refaz o mesmo percurso. [...]
[...]Existe hoje, uma indiferença total para com aquilo que em volta das pessoas se passa. Sabemos que tudo se modifica, que as atividades humanas hoje são outras, que a falta de tempo e a necessidade do imediato fazem parte da rotina, que a maneira de pensar e agir dos indivíduos são diferentes, mas aqueles sentimentos profundos e sãos, de solidariedade e compaixão ao próximo e a si mesmo, não deviam desaparecer. A humanidade chegou a um estado tal, que muitas vezes procuramos nela sentimentos que já não existem mais. Sentimentos que em outras épocas foram cultivados, alimentados para o bem, para a busca do aperfeiçoamento e de uma sociedade suportável, mas que, pode-se dizer hoje, está desaparecendo por completo.[...]
[...]Isso tudo é resultado de uma indiferença pós-moderna. Uma indiferença por excesso, por hiper socialização, e não por defeito, nem por privação.
Há muita gente que acredita que se manter indiferente quanto a uma situação é “a mais inteligente alternativa” para: garantir a sua posição, manter a sua credibilidade, a sua “imagem” e confirmar a sua pretensa competência. Manter-se indiferente, mesmo tendo o poder de agir ou de mudar uma circunstância, seja para se preservar ou para evitar se envolver, é a mais clara expressão da falta de caráter, competência, humildade e de coerência profissional.
Todos sabem muito bem o que acontece em sua volta, mas poucos são os que fazem algo para efetivamente mudar o contexto e deixar claro que este tipo de comportamento é inaceitável. Porque muitas vezes é melhor para o indivíduo preservar-se do que correr o risco de se posicionar e de solucionar o que precisa ser resolvido, mesmo que não seja agradável a todos, inclusive a si mesmo. Este é o medo implantado por uma sociedade baseada na imagem, na superficialidade do ser humano.
O culto ao individual faz com que as pessoas esqueçam que precisam atuar juntas para crescer, que por mais talento que se tenha, este só tem valor e agrega valor quando é reconhecido pela forma como se age. Manter-se indiferente ao que suas ações significam para os outros no seu contexto e no contexto das pessoas, é desrespeitar a própria inteligência e a inteligência dos outros.
Pessoas dotadas de boa consciência agem diferentemente, pois percebem o valor do ser humano, da vida, o sentido de ser e estar presente. E estes passam a ser os “estranhos da sociedade”. Ceder à vez, ajudar a um estranho, cumprimentar um desconhecido força o outro a se esquivar e a pensar que ali pode haver algo duvidoso ou de interesse. Solidariedade virou motivo de desconfiança.
Por quanto tempo ainda isso irá perdurar ou em que nível estas situações podem chegar é uma grande incógnita. O ser humano tende a ser cada vez mais individualista e indiferente às mazelas do mundo. Atuará cada vez mais sozinho no palco da vida, para uma platéia cega e onde as cortinas se negarão a fechar. O que pode vir a gerar um verdadeiro hospício global.
(Stéfanie Telles)

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